Quem se importa com a Mariazinha?
*Por Lucas Berton
Toda manhã quando saio pra trabalhar, pelas 6h55min, vejo a Mariazinha sentada no saguão do meu edifício.
Quem é ela? O que ela está fazendo ali se ela não mora no nosso prédio?
Não sei.
Mariazinha é uma anciã muito frágil. Deve ter entre 65 ou 70 anos. A sua aparência repele todos aqueles que vivem obcecados pelas aparências “bonitas” na sociedade do consumo, pelos rótulos, pela fama. É patologicamente corcunda — lembra o seu homônimo de Notre Dame — e visivelmente cansada e sofrida.
Talvez ela tenha ficado com a chave do portão desde aquelas vezes que fazia faxina para a vizinha do apartamento 12 — e, então, quando está indo para outro “compromisso” pelas 6 da manhã, ela para no nosso edifício para sentar e descansar um pouco, já que caminha com grande dificuldade.
Ninguém se importa com ela. A sua morte em vida não comove ninguém. Ela não grita, não pede socorro, porque deve estar anestesiada pelo costume de ser ignorada, colocada em segundo plano. Todos estão muito ocupados com as suas vidas e os seus afazeres.
Os políticos com o governo e o poder.
Os pais de família com o pão nosso de cada dia.
Os intelectuais em ler, escrever e professar ideias.
Os economistas e jornalistas com as estatísticas do PIB.
Os empreendedores em pensar que estão lucrando.
Os sindicalistas com a organização de greves de demonstração.
Os psicólogos com as láureas acadêmicas, os currículos e a auto imagem.
Os boêmios da Cidade Baixa com os seus prazeres.
Quem pode vir a se preocupar com ela? É o que ela deve, enfim, sentir. Ela sempre fala comigo sobre o clima, o tempo, o frio e a chuva, antes que eu possa sair rua afora, apressado, para assumir minhas classes.
Eu gostaria de ajudá-la, abraçá-la, mas não tenho coragem porque sou um ser humano limitado (e egoísta — muito mais do que admito); gostaria de acolhê-la, mas minto para mim mesmo que não tenho tempo; gostaria de ouvi-la, mas como o mendigo entrevistado pelo Abujamra no programa “Provocações”, ela não vai ter o que me dizer, a não ser uma nova admoestação sobre o tempo de cada nova manhã.
Eu gostaria de ser uma pessoa melhor pra poder acolher a Mariazinha; eu gostaria que o mundo fosse um lugar melhor para a Mariazinha.
Por mais que pensemos nas mais mirabolantes alquimias para enfeitiçar, entender e controlar o mundo, a verdade é que nenhum dos nossos grandes alquimistas está preocupado com a Mariazinha, já que ela não pode lhes impressionar com nenhuma magia — e sequer com uma boa imagem de transformação.
A melhor alquimia continua sendo a atenção e o amor humano, que mudam toda e qualquer composição pra melhor. O difícil é encontrar alquimista capaz de entender e aceitar que a sua principal magia é algo assim, tão simples e sem glamour…
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