Àquele que um dia estimei como querido amigo.


 *Por Morgana C. Brochu

6 de dezembro, 2024.

Te escrevo essa carta sabendo da possibilidade de ela nunca chegar de encontro a ti. Prefiro libertar as palavras não ditas que me mantém aprisionada nesse sentimento insalubre. Caso leia essa carta, saiba que será tarde demais, então interprete-a como bem entender. Não fará diferença.

Hoje faz calor, assim como no dia que te vi pela última vez. Ainda me vejo um tanto perdida na paisagem urbana na qual ainda tenho o velho hábito de procurar por você, mesmo sabendo que fugi para longe. Andando sob o luar azul, me afogo em um devaneio, esperando pela manhã. Me questiono se tomei a decisão certa perante tudo isso... Desde o momento que te conheci, toda sua imaturidade, presunção e covardia em relação aos seus próprios sentimentos e aos sentimentos alheios, me geraram a certeza absoluta de que você não é um indivíduo o qual eu seria capaz de manter em minha vida fora de limites muito bem estabelecidos de um “coleguismo”. Você é frágil. Se deixa levar facilmente

por seus impulsos. Por isso, não consegue ter certezas concretas sobre si mesmo...é incapaz de oferecer certezas sobre si aos outros. Por algum tempo acreditei que poderíamos ter uma interação como a de duas pessoas maduras, mas você provou que nunca pude estar tão errada.

Percebi que usa suas relações como muletas para evitar cair em si. És como um verme que tira seu sustento e proveito da falta de esperteza de quem lhe quer bem — tamanha ingenuidade! Tantas vezes te vi sangrar ao ferir aqueles que mais te estimavam. Te ofereci cumplicidade enquanto você apunhalava rudemente e com tamanho desespero os que se permitiam distrair com a beleza do mundo o qual você oferecia. Como um anfitrião, você oferecia pão, leito, companheirismo e esperança de futuro, para logo após, como um reizinho fútil e infantil, decretar suas cruéis sentenças. Falta-lhe verdade e virtude. Nunca admiraste verdadeiramente a ninguém. Somente admirou a si próprio através de versões alheias de si que eram declaradamente admiradas por aqueles que, mais cedo ou mais tarde, você trairia. Nunca conheceu de fato o que seria o amor, então nomeava como afeto uma coisa horrenda, áspera e agonizante. E, obviamente, por ter uma maneira de amar tão cruel, fazia o desfavor de distribuir aos outros essa sina, enquanto para si, servia apenas ódio. Seu ódio autocentrado é tamanhamente mais gentil do que o amor que ofereces.

E novamente fui seu porto de estabilidade e clareza. Fui sua apoteose e fonte de sabedoria enquanto me via afogar sob um mar de incertezas. Ofereci meus ombros para carregar o peso de tuas falhas e te guardei com carinho e justificativas. Entretanto, mais uma vez seus extremos guiaram minha existência ao seu esquecimento. Sua angústia me fazia necessária e presente— como tão superior—, mas sua paz me rebaixava à indiferença e insignificância. Não é justamente isso que fazemos com Deus?

Quis ser terrena ao te admirar por completo e como igual. Conheci tuas falhas e as amei ao perceber que não me aterrorizavam. Amei, não com o tipo pobre e vulgar de amor. O amor cheio de volúpia em conjunto com o imaginário de vazios preenchidos. Te amei como um hábito enraizado em uma rotina eterna. Te ofereci certezas e compreensão. Mas a tranquilidade te enoja. Então, para não ter mais que negar a mim mesma, como você sempre alegou que eu fazia, optei por não escolher aquilo que escolheria em circunstâncias favoráveis. Me privei para que pudesse ter a paz que não poderia estar atrelada à sua presença em minha vida.

Abro as portas da nossa amizade e me retiro. Espero não precisar me trancafiar do lado de fora. Já não esperarei frutos de onde não há raízes. Não ficarei à espera de compreensão, nem de respostas, nem da consideração que te faltou desde início. Estou exausta de esperançar por uma metanoia e mudança de atitude. Minhas inúmeras estrondosas palavras são apenas uma brisa a qual te traz alívio enquanto você observa e ri. Não desmoronarei em solo incerto novamente. Te agradeço pela belas memórias que você e seu mundo florearam no solo fértil de meu coração. Prometo usar como lenha para queimar novas alegrias toda sua natureza plantada em mim. Prometo guardar em mim a versão gentil e tranquila de ti. 

Caso no futuro, por ironia do acaso, eu te encontre, não cometerei o erro de te conhecer novamente. Mas admito, caso aconteça, sorrirei.


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