Arte e pornografia
*Por André Castro
É Hera (como as convenções sociais etc.) que costuma “endireitar” os trançados da imaginação.
Hera atribui o “priápico”, o “bizarro”, o “deformado”, “feio” etc. à “toda consciência imagética rigorosamente ereta, aquela excitação ou despertar da imaginação que a pornografia tenta realizar.”
James Hillman escreve que a pornografia acaba sendo culpada pela “violência masculina, pelo espancamento de esposas, excessos sexuais e distorções não naturais, degradação de mulheres, molestação de crianças e estupros… Toda essa argumentação é parte da maldição atribuída ao priápico por Hera e por seus agentes no domínio do doméstico, do comunitário, do social”.
Muito de encontro à essas ideias são os curiosos comentários da Camille Paglia sobre a pornografia:
“O feminismo, argumentando a partir da opinião mais branda da mulher, ignora por completo a sede de sangue no estupro, o prazer da violação e da destruição. Uma estética e uma erótica da profanação — o mal pelo mal, o aguçamento dos sentidos pela crueldade e a tortura — foram documentadas por Sade, Baudelaire e Huysmans.
“Nosso conhecimento dessas fantasias é ampliado pela pornografia, motivo pelo qual se deve tolerá-la, embora se possa restringir razoavelmente sua exibição pública. A imaginação não pode e não deve ser policiada. A pornografia mostra-nos o coração da natureza daimônica, aquelas forças eternas em ação por baixo e além da convenção social. Não se pode separar a pornografia da arte; as duas interpenetram-se, muito mais do que tem admitido a crítica humanista. Geoffrey Hartman diz com razão: “A grande arte é sempre ladeada por suas irmãs escuras, a blasfêmia e a pornografia”. O próprio Hamlet, obra fundamental do Ocidente, está repleto de lascívia. Os criminosos em toda a história, de Neto e Calígula a Gilles de Rais e aos comandantes nazistas, jamais precisaram de pornografia para estimular sua refinada e horrenda inventividade. Para isso basta a diabólica mente humana.”
“Que a cultura popular reclama o que a alta cultura veta, fica claro no caso da pornografia. A pornografia é puro imagismo pagão. Do mesmo modo como um poema é expressão verbal ritualmente limitada, a pornografia é expressão visual ritualmente limitado do daimonismo do sexo e da natureza. Cada tomada, cada ângulo da pornografia, por mais tolos, pervertidos ou doentios que sejam, é mais uma tentativa de tudo captar da enormidade da natureza ctônica. Pornografia é arte? Sim. Arte é contemplação e conceitualização, o exibicionismo ritual dos mistérios primitivos. A arte extrai ordem da brutalidade ciclônica da natureza. A arte, como eu disse, está cheia de crimes. A feiura e a violência da pornografia refletem a feiura e a violência da natureza.”
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Interessante, ontem, por exemplo, encontrei J. e D., e tenho conseguido enxergar o “combo” de mentes desejosas pelo “estreitamento dos trançados da imaginação”! Rumo à ordem; conversas sérias, novas convicções sobre como se comportar, aprimoramento de ideologias sobre como a sociedade deve funcionar. A habilidade das pessoas “de esquerda” em serem cada vez mais polidas é incrível. O politicamente correto etc. Eu mesmo incluso nisso. Conversas sérias, claro, com piadinhas espirituosas, ironia, mas acima de tudo harmonia, respeito ao próximo etc. Alteridade e respeito às ideias do outro acima de tudo.
Diametralmente opostas são as minhas reuniões com amigos de infância, por exemplo, onde os xingamentos são bem vindos. Ofertas, oferecimentos à “catárse”.
Parece que o modo como a sociedade funciona, para além de uma “consciência de classe” idealizada, necessita do PRAZER que sentimos em violar o outro. Quem souber como operar e utilizar a FORÇA DE TRABALHO, utilizará, nas palavras da Paglia:
p. 33:
“Tudo que é sagrado e inviolável provoca profanação e violação. Todo crime que pode ser cometido, será. O estupro é uma forma de agressão natural que só pode ser controlada pelo contrato social. A mais ingênua formulação do feminismo moderno é sua afirmação de que o estupro é um crime de violência mas não de sexo, que é apenas poder mascarado de sexo. Mas sexo é poder, e todo poder é inerentemente agressivo. O estupro é o poder masculino combatendo o poder feminino. Não deve ser mais desculpado que o homicídio ou qualquer outro ataque aos direitos civis de outrem. A sociedade é a proteção da mulher contra o estupro, e não, como afirmam absurdamente algumas feministas, a causa do estupro. O estupro é a expressão sexual da vontade de poder, que a natureza planta em todos nós, e que a civilização surgiu para conter. Por conseguinte, o estuprador é um homem com pouca socialização, e não com socialização demais. Há uma evidência mundial esmagadora de que, sempre que os controles sociais são enfraquecidos, como nas guerras ou na anarquia, até homens civilizados comportam-se de modos incivilizados, entre os quais está a barbaridade do estupro.”
p. 34:
“A perda da virgindade de uma garota é sempre, em algum sentido, uma violação de santidade, uma invasão de sua integridade e identidade. Defloramento é destruição. Mas a natureza cria por meio da violência e da destruição. A violência mais comum do mundo é o parto, com sua dor e sangueira apavorantes. A natureza dá aos homens infusões de hormônios de dominação, a fim de lançá-los contra o paralisante mistério da mulher, de quem eles, de outro modo, se esquivariam. O poder dela como senhora do parto já é demasiado extremo. Luxúria e agressão se fundem nos hormônios masculinos. Quem duvida disso jamais passou muito tempo com cavalos. Os garanhões são tão perigosos que têm de ser enjaulados em baias com barras; depois de castrados, ficam tão dóceis que servem de montaria para crianças. A disparidade hormonal nos seres humanos é tão brutal, mas é mais do que agrada aos rousseauístas pensar. Quanto mais testosterona, mais elevada a libido. Quanto mais dominante o homem, mais frequentes suas contribuições para o fundo comum genético. Mesmo em nível microscópico, a fertilidade masculina está em função não apenas do número de espermatozoides, mas de sua motilidade, isto é, de seu movimento incansável, que aumenta as possibilidades de concepção. Os espermatozoides são tropas de assalto em miniatura, e o óvulo uma cidadela que deve ser invadida. Os espermatozoides fracos ou passivos simplesmente ficam ali parados, como patos mortos. A natureza premia a energia e a agressão.
Profanação e violação fazem parte da perversidade do sexo, que jamais se conformará com teorias liberais de benevolência. Todo modelo de comportamento sexual moral ou politicamente correto será subvertido pela lei daimônica da natureza. A toda hora, de todo dia, algum horror está sendo praticado em alguma parte.”
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