*Por M. Helena B. Crossetti Naquele início de uma tarde fria e ensolarada de inverno, enquanto a irmã de meu pai trançava meus cabelos, eu ouvia o farfalhar das árvores. Os dedos acariciando minha cabeça, o sol aquecendo minha pele fria pelo vento, o rádio ligado e o cheiro da comida no fogo, todo aquele instante, como um todo, me fizeram pertencente ao espaço do tempo que chamamos de presente. Fechei os olhos na tentativa de saborear cada sensação, principalmente o senso de completude que me atingiu como um relâmpago descido do céu. Eu já havia sentido completudes como aquela, mas sempre duravam meio momento e logo desapareciam, quase como se nunca tivessem existido. E essa rapidez me fazia acreditar que todos os infinitos eram precoces e passavam velozes demais diante dos olhos pelos quais enxergamos a vida. Agora eu vejo as pombas cantando mais adiante. Não as vejo com os olhos, embora suas vozes me levem a vê-las nitidamente através do que consigo imagin...
*Por Jorge Fróes , extraído do livro Chegou um negro Todos esses que tem dinheiro demais são Humphry Morice. Tem frota de navios negreiros, navios batizados com os nomes de esposa e filha, Katherine e Sarah. As iniciais de seus nomes, K e S, gravadas com ferro quente no traseiro ou no peito dos escravizados a bordo (É possível que elas não saibam disso). Todos esses que têm dinheiro demais são comerciantes. Morice tinha dez porcento do tráfico de Londres. Mesmo hoje, todos esses que têm dinheiro demais e que pagam miseravelmente seus empregados são Humphry Morice. Tem criados à sua disposição. tem propriedade familiar na zona rural da Cornualha e magnífica casa em Londres. Descendente de destacada família de comerciantes, membros do parlamento, amigo do primeiro-ministro e diretor do Banco da Inglaterra, participação extensa no comércio global, no capital financeiro e na economia do Império Britânico, Humphry Morice, o principal traficante de escravos de Londres Instruía seus c...
*Por Lucas Berton Nasci em 1983, no final do século XX. Lembro-me, sobretudo, da minha infância na rua, brincando com a vizinhança, subindo em árvores — quanto mais alta, melhor (se com ameixas amarelas, como as que tinham na frente da casa da dona Lindinha, melhor ainda). As tecnologias eram poucas e muito restritas: Atari, Super Nintendo; gravadores de fita K-7 e filmes rodados em vídeo-cassetes (todas elas vindas de fora). Eram tantas as brincadeiras de rua que não consigo lembrar: pé na lata, taco, esconde-esconde, etc. Um pouco mais para baixo da minha casa (a maior da rua, até aquele momento) estava a "oficina", onde se consertavam carros. Era um terreno quase baldio, cujos muros de entrada tinham de fronte uma carcaça de kombi, onde toda a gurizada brincava de alguma forma e os mais ousados até dormiam, se arriscando. A kombi foi esconderijo, nave espacial, confessionário, salão de festa, dormitório... Nas noites estreladas me sentava no cordão da calçada após um fu...
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