A função social da filosofia no século XXI


*Por Jonas Rodrigues

Respondendo à provocação de um professor de filosofia sobre “o que é isto, a filosofia?”, onde ele questiona se caberia à filosofia a busca pela verdade ou, não sendo possível chegar à verdade, caberia à filosofia o papel do cinismo, eis minha resposta.

Há, nesse texto, segundo assim o entendo, uma proposta dicotômica entre Verdade e Cinismo. Ideia, essa, muito presente na filosofia. E para iniciar a discussão provocada pela pergunta “o que é isto, a filosofia?” gostaria de começar sugerindo pensar a questão da Verdade sobre um outro modo. Quero propor um conceito e ser capaz de conseguir explicá-lo de forma breve e clara. Conceito este que aqui gostaria de chamar de eixo de razoabilidade. O que quero explicar com esse conceito é bastante simples, na verdade.

Eu não acredito que cabe à filosofia o papel do cinismo, não acho que a filosofia deve nos servir apenas para se emaranhar e se confundir nesse amontoado de transformações que a modernidade nos impõe, a fim de, imersa em transformações, acabar por legitimá-las. Não cabe à filosofia explicar porque as coisas são o que são, isso é competência das ciências. É a sociologia que vai explicar as práticas de consumo das comunidades no século XXI, é a psicologia que vai explicar as relações sociais estabelecidas através das redes sociais, é a história que vai explicar decisões políticas adotadas pelos governos. A filosofia só existe enquanto ela for capaz de manter um certo distanciamento desses fenômenos, que lhe permita abstrair o que há de superficial e apreender o que há por detrás desses fenômenos.

Por outro lado, entretanto, também não compreendo ser papel da filosofia a busca por uma verdade absoluta e atemporal. Não me parece ser papel da filosofia olhar para as transformações de maneira conservadora e reacionária, de modo que compreenda todas as transformações como vãs e busque pelo que há de verdadeiro nesses fenômenos ao longo do tempo. Se as noções de Belo e Justo, examinadas por Sócrates, foram úteis há mais de 2000 anos atrás, em que medida continuam tais noções sendo capazes de compreender a nossa realidade atual?

É por isso que fugindo da dicotomia e procurando estabelecer uma diferenciação entre Verdade e Cinismo, proponho o conceito de eixo de razoabilidade para explicar sobre o que é a filosofia. Esse conceito busca dar conta de explicar uma tese e certamente outros autores devem ter proposto conceitos semelhantes que justifiquem a mesma tese.

Caberia à filosofia, nessa perspectiva, ser capaz de pensar e refletir sobre a sociedade de modo que seja capaz de que suas reflexões nos serviam de eixo norteador da nossa conduta. Um exemplo caberia pensar sobre a questão da vida. A reflexão sobre o aborto feita no século XV é completamente diferente da reflexão feita no século XXI. Em 600 anos de história a ciência avançou de tal modo que nos permitiu ter acesso a novas informações, novas técnicas e novas formas de pensar a questão da vida. Não só isso, mas nossa própria compreensão sobre a vida alterou-se ao longo da Idade Média e Modernidade. Caberia à filosofia, novamente, refletir sobre tais questões e fornecer à sociedade subsídios para pensar a questão da vida - e muitas outras questões - para que essas reflexões norteiem nossa conduta, norteiem nossa ética.

Por fim, que esse eixo seja orientado pelo princípio da razoabilidade. O que significa que nossa conduta deve ser orientada por aquilo que se compreende ser razoável, nem que sejam valores ultrapassados e fundamentados apenas pelo medo conservador ou valores ultra inovadores, de modo que ainda não tenha tido tempo da sociedade amadurecer a consciência e assimilar suficientemente bem tais valores. A razoabilidade nos permitiria, portanto, que, tendo como lastro o conhecimento científico, pensar o que é possível ou não mudar, quais condutas devem ser alteradas ou mantidas. A ciência não diz a verdade sobre a realidade, pois ela também pode levar ao desencanto. Mas a ela cabe, valendo-se de novas ferramentas, produzir novos saberes sobre os fenômenos.

É nesse sentido que cabe à filosofia refletir pelo caminho do meio, provocando mudanças na nossa postura, na nossa conduta e na nossa ética, mas assegurando que as mudanças não levem a um desencantamento com o mundo, porque nem tudo cabe em fórmulas e a vida é mais que questionário
.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A liberdade em pombas

Humphry Morice

A queda do muro de Berlim na sala de casa