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Mostrando postagens de dezembro, 2023

Agradecimento aos meus dentes

Os escritores do tempo de agora fazem os mais diferentes agradecimentos na abertura de seus livros. Há os que se curvam aos reis pelo soldo que os mantém no ócio. Os que reconhecem a importância de suas esposas por lhe trazerem vinho nas noites frias e os que louvam o deus de Abraão, Isaque e Jacó pela criação do mundo, sem o qual, reconhecem mui sensatamente, não teriam muito do que falar. Eu, porém, como estou a escrever uma carta e não um livro, agradeço apenas a esta dúzia de marfins amarelados que ainda se prendem à minha gengiva, feitos para sorrir às senhoras, arrancar as rolhas das garrafas, morder os inimigos e rasgar a carne, de modo que, sem eles, não procriaríamos, não beberíamos, lutaríamos pior e morreríamos de fome. Aos dentes, fiéis companheiros, devo minha demora nessa mundo, pois bem penso que a vida é tão somente um susto entre o nascer e o morrer, e, às vezes, para alargar o caminho entre o berço e a cova, vale mais o afiado canino que a aguda filosofia. *** Isso é ...

As murgas uruguaias e os cidadãos-artistas

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*Por Lucas Berton Quem tem o poder da palavra, da imagem e do som, tem a seu dispor a invenção de dogmas religiosos, políticos, econômicos, sociais... e, também, dogmas da arte e da cultura. Nestes, os seres humanos são divididos em artistas e não artistas, como se fossem divididos em nobres e plebeus. O poder da palavra é tão grande que pode criar o contradogma, que, mesmo sendo contra, pode ser dogma. É dever do cidadão-artista analisar e desmistificar todos os dogmas. Já que estamos condenados à criatividade, no presente estudando o passado, devemos inventar o futuro sem esperar por ele. Um futuro sem dogmas... É dever de todo cidadão-artista, usando os mesmos canais de opressão, mas com o sinal trocado — palavra, imagem, som —, destruir os dogmas da arte e da cultura mostrando que todos os seres humanos são artistas de todas as artes, cada um do seu jeito. São produtores de cultura e não apenas boquiabertos consumidores da cultura alheia! Não temos que ser melhores que ninguém: tem...