Agradecimento aos meus dentes
Os escritores do tempo de agora fazem os mais diferentes agradecimentos na abertura de seus livros. Há os que se curvam aos reis pelo soldo que os mantém no ócio. Os que reconhecem a importância de suas esposas por lhe trazerem vinho nas noites frias e os que louvam o deus de Abraão, Isaque e Jacó pela criação do mundo, sem o qual, reconhecem mui sensatamente, não teriam muito do que falar. Eu, porém, como estou a escrever uma carta e não um livro, agradeço apenas a esta dúzia de marfins amarelados que ainda se prendem à minha gengiva, feitos para sorrir às senhoras, arrancar as rolhas das garrafas, morder os inimigos e rasgar a carne, de modo que, sem eles, não procriaríamos, não beberíamos, lutaríamos pior e morreríamos de fome. Aos dentes, fiéis companheiros, devo minha demora nessa mundo, pois bem penso que a vida é tão somente um susto entre o nascer e o morrer, e, às vezes, para alargar o caminho entre o berço e a cova, vale mais o afiado canino que a aguda filosofia. *** Isso é ...